Post de origem: blog da Raquel Rolnik
Como todos os anos, nos próximos dias, a baixada santista e o litoral norte de São Paulo vão receber um enorme fluxo de turistas em busca da dupla sol e mar. Os congestionamentos certamente ocuparão as páginas dos jornais e o noticiário da TV. Mas o que provavelmente não fará parte dessa cobertura é a complexa situação que essas regiões estão enfrentando neste momento.
No caso da baixada, é preciso lembrar o que foi o desastroso polo de Cubatão, que nos anos 1960 e 1970 ocupou os mangues, poluiu até as almas de quem viveu ali, e empurrou os trabalhadores petroquímicos para viverem pendurados nos morros. Além disso, o aumento da acessibilidade ao litoral norte (com as estradas Mogi-Bertioga, Piaçaguera-Guarujá, e Bertioga-São Sebastião, por exemplo), desde os anos 1980, acelerou o loteamento das frentes marítimas para segunda residência, desde Bertioga até Ubatuba, expulsando caiçaras, índios guaranis e trabalhadores migrantes para as mais de cem favelas que existem hoje na região.
Mal recuperada dessa situação – o desastroso pólo petroquímico e a expansão do turismo –, a região vive agora um novo surto de transformações territoriais com a perspectiva de exploração do pré-sal e a ampliação dos portos de São Sebastião, Guarujá e Santos, em função do desenvolvimento econômico do país. A Santos dos aposentados está sendo substituída rapidamente por torres milionárias para executivos, sem ter recuperado seus cortiços e os velhos casarios da área portuária. Os planos de expansão do porto de São Sebastião terão um impacto tão grande e controverso, que a audiência pública sobre o tema, no dia 7 de dezembro, reuniu mais de mil pessoas da região, durante cerca de 10 horas, varando a madrugada.
Enquanto isso, na baixada santista, o governo do Estado tenta regular o uso e ocupação do solo por decreto, com o Zoneamento ecológico-econômico (ZEE), que amplia áreas urbanizáveis em áreas de mangue. Mas nem esse decreto, nem o anterior – o do litoral norte, de 2004 – serão obedecidos plenamente, já que a disputa acirrada pelo território nestas regiões não é definida por essa regulação, mas pelos preços de mercado. Da descoberta do pré-sal, em 2006, pra cá, o preço dos imóveis em Santos, por exemplo, praticamente triplicou.
É preciso lembrar que estes novos investimentos e transformações estão se dando em cidades cuja situação urbanística é extremamente precária. É verdade que o projeto Onda Limpa, da Sabesp, está investindo na melhoria das condições de esgotamento sanitário da região, com avanços significativos em algumas cidades da baixada. Mas no litoral norte, por exemplo, a realidade hoje é que só 30% do esgoto é coletado. Mais grave é saber que o projeto não está sendo implementado nas favelas e, pior, que nenhuma política está sendo planejada para as favelas dessas regiões nesse momento.
O resultado é que a combinação perversa do aumento dos preços de mercado com a absoluta falta de opção de moradia de interesse social certamente provocará uma super densificação das favelas e uma explosão de novos assentamentos informais.
Em tempo: ao leitor e à leitora que só querem pegar um sol e tomar um banho de mar, se vocês ficarem incomodados com o mau cheiro em algumas praias ou com a destruição de antigas paisagens, saibam que a posição e ação dos que moram e frequentam essas regiões podem, quem sabe, incidir nos rumos dessa situação.