Uma das especialidades do poder público é dar ‘canseira’ em quem exige que seus direitos sejam assegurados. Foi o que aconteceu com o grupo de jovens que teve suas bicicletas ‘sequestradas’ pela polícia militar, após uma abordagem na qual não encontraram nenhuma irregularidade. Após um longo caminho entre buscar textos de lei, manifestações nas ruas de São Vicente, reuniões com agentes do governo e muito jogo de ‘empurra-empurra’, os jovens seguem com seu direito de circular com as suas bicicletas violado.
Após a apreensão de bicicletas ocorrida no último dia 19 de maio, o grupo de jovens que sofreu a abordagem se organizou para reivindicar a liberação de seus veículos. Para isso, partiram do próprio auto de apreensão em que constava os motivos alegados pelos policiais para justificar as apreensões. Nesse documento, a lei que baseia as penalidades é a 225/A, de 1993, assim como o Decreto Municipal 463-A. Após vasculhar nos sites da prefeitura e da câmara municipais de São Vicente, só conseguiram obter uma cópia da lei após ir até a Prefeitura Municipal de São Vicente (PMSV) e tomar um ‘chá de cadeira’.
Gritando nas ruas pela liberação das bicicletas
Na sexta feira, 22 de maio, munidos da lei nas mãos e de um equipamento de som, foram para as proximidades do Pátio Municipal de Veículos de São Vicente. Denunciaram a falta de divulgação da lei que permite a apreensão de bicicletas, a falta de identificação dos equipamentos obrigatórios nas bikes (um dos principais argumentos utilizados para as apreensões), além do uso repressivo da lei contra os jovens, sobretudo homens e negros, em abordagens policiais. Os ciclistas que passaram pelo ato receberam panfleto com as denúncias apresentadas. Após uma hora neste local, resolveram seguir para a porta do Paço Municipal, onde continuaram com a manifestação e a panfletagem.
- Cadê a nossa bike?
- Leitura do panfleto/denúncia
- Motivos diversos para o ‘sequestro’ de bikes
- Mais uma vítima
Depois de alguns minutos de manifestação, o grupo foi abordado pelo chefe de operações da Guarda Civil Municipal, sr. Guimarães, que insistentemente quis ‘tirar da reta’ da PMSV a responsabilidade pelo ‘sequestro’ das bikes. Ameaçou, indiretamente, apreender o equipamento de som, alegando que a ação não foi previamente informada ao poder executivo. Após alguns minutos, o vice-prefeito João da Silva quis que um representante do grupo fosse ao seu gabinete, mas aceitamos ir somente com o grupo completo.
- sr. Guimarães mandando para o batalhão da PM
- sr. Guimarães enrolando…
- sr. Guimarães tentando tirar a responsabilidade da PMSV
- vice-prefeito chama para diálogo
Vice prefeito diz que tem ‘nome a zelar’, mas não cumpre acordo
O grupo foi levado ao Salão Nobre da PMSV, onde tiveram que ouvir, repetidas vezes, que a responsabilidade da ação era da Polícia Militar. Diziam que não podiam interferir, uma vez que não foram agentes municipais quem realizaram as abordagens. Os jovens alegaram que a lei que permite a atuação dos policiais na apreensão de bicicletas é municipal, e foi a PMSV quem deu à PM os documentos para apreensão, o que demonstra a responsabilidade do governo municipal no caso. Após muita discussão, o vice-prefeito João da Silva disse que ia resolver o caso. Sentindo-se ameaçados, os jovens deixaram o prédio. Mas foram chamados novamente pelo vice-prefeito, dizendo que ‘tinha um nome a zelar’ e que ‘tinha se comprometido a resolver o problema’ das bicicletas apreendidas. Ele orientou o guarda municipal Guimarães a assinar todos os autos de apreensões das bicicletas, com uma autorização expressa para que as bicicletas fossem liberadas pelos funcionários do Pátio Municipal de Veículos.
- Grupo recusa diálogo com a PM
- Promessa de devolusão das bikes
Burocracia, ‘pingue-pongue’ e ‘chá de cadeira’…
Já desconfiando da ‘força’ das autorizações que receberam, os jovens buscaram a orientação de uma assistente social para fazer um atestado de pobreza, alegando não ter dinheiro para pagar a multa. Chegaram ao Pátio mais uma vez no dia 26 de maio, terça feira. Como esperado, os funcionários disseram não reconhecer a assinatura e não poder liberar as bicicletas apenas com esse documento. Tentaram apresentar os atestados de pobreza, mas também disseram que ele não tem validade para esse caso, que faltavam carimbos nos papéis. Foram orientados a buscar suporte na Secretaria Municipal de Transportes (Setrans).
- Pátio ‘empurra’ para Setrans
Por fim, mais uma vez foram tratados pela famosa política do ‘pingue-pongue’, ou seja, jogados de um local para o outro, sem que ninguém tenha assumido qualquer responsabilidade em dar o aval para a liberação das bicicletas. Por fim, tentaram falar com o Chefe do Departamento Júrídico da Secretaria de Transportes, sr. Ronaldo. Mas, após aguardar por um ‘longuíssimo’ horário de almoço, acabaram desistindo, ao menos por ora, de conseguir as liberações.
- Negativa sobre assinatura do sr. Guimarães
- Negativa sobre o atestado de pobreza
- E o ‘empurra’ continua…
Será apenas uma minoria que desconhece e está em desacordo com a lei?
Enquanto se manifestavam e panfletavam, os jovens perceberam o desconhecimento geral desta lei. Nenhuma bike regularizada, segundo as regras, passou pelo grupo. Melhor do que esta constatação das vítimas, é repararmos nas ruas e ciclovias de São Vicente a quantidade de bicicletas que possuem os acessórios exigidos: retrovisor esquerdo, campainha, sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais. O número de veículos “legais” é ínfimo ou nulo. Outra regra do Código de Trânsito Brasileiro (artigo 105, item VI e páragrafo 3º) diz que as bicicletas devem sair das revendas portando os equipamentos citados, sendo que ao circular pelas lojas da Cidade, incluindo as de grande porte, em nenhuma as bicicletas vinham com retrovisor, por exemplo. Isto comprova que nenhum trabalho de concientização das obrigatoriedades ou campanha foi realizado pelo Município. Daí, o critério de qual bike será apreendida fica a cargo da PM e GCM.
Campanha apresentada pelo sr. Humberto e sr. Guimarães, em resposta ao questionamento dos jovens. |
Mas, afinal, o por que de tudo isso?
Sob a justificativa de zelar pela segurança pública, agentes de segurança vem fazendo abordagens constantes a ciclistas. O que antes era uma operação que ocorria apenas na Orla e Centro da Cidade, vem se tornando recorrente também nas periferias. Mesmo sem nenhum tipo de infração, as bicicletas estão sendo ‘sequestradas’ e os ciclistas punidos com uma multa de R$ 53,40 para cada bicicleta. Há relatos de jovens que foram abordados mais de uma vez em menos de duas semanas. Enfim, ser negro, pobre e ter uma bicicleta é motivo suficiente para ter seu veículo sequestrado pelo Estado.