Desde o dia 15, segunda-feira, uma comissão de indígenas ocupou o Pólo Base da Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) sediado no município de Peruíbe reivindicando o atendimento às demandas que já foram inclusive acordadas em reuniões ocorridas no ano corrente junto ao Coordenador do DSEI Litoral Sul (Distrito Sanitário Especial Indígena), Sr. Paulo Camargo, uma vez que os compromissos não estão sendo cumpridos: nas aldeias segue faltando o atendimento pelas equipes de saúde, que por sua vez acusam a falta de veículos para que cheguem até os locais de atendimento. Após a ocupação, os funcionários do pólo foram detidos apenas para garantir que houvesse o diálogo com o Sr. Paulo Camargo, que agendou uma reunião com os indígenas na sexta-feira, dia 19 de julho.
Após a ocupação pelos indígenas do Pólo Base da Sesai em Peruíbe, a Funai participou das negociações para garantir uma reunião com a Sesai, com intervenção do Ministério Público e da Polícia Federal, em troca da liberação dos funcionários da Sesai que eram mantidos detidos pelos indígenas. Porém, a Sesai não compareceu à reunião acordada e a Funai do Litoral Sudeste, em Itanhaém, sofre neste momento, por tabela, a sua ocupação ocasionada da total falta de compromisso e responsabilidade da Sesai no atendimento às aldeias e sua incapacidade de negociação e diálogo com os indígenas.
Entretanto, frente à falta de diálogo com a Sesai, seis servidores da Funai se encontram detidos neste momento e cerceados do direito de ir e vir pelos indígenas que reivindicam a melhoria do atendimento à Saúde Indígena junto à Sesai.
É preciso esclarecer a todos que a execução desta ação não passa em nenhum momento pelo crivo da Funai, que não tem poder algum sobre ela, mas que cabe somente acompanhar a sua execução, ou seja, reproduzir a reclamação dos indígenas, o que tem sido feito seguidamente nestes dois anos e meio de existência da Sesai.
Acrescente-se a isto o momento delicado em que se encontra a Funai, sofrendo ataques seguidos e sistemáticos dos três poderes, executivo, legislativo e judiciário, e a fúria devastadora do latifúndio e do agronegócio, todos querendo enfraquecer o papel da Funai na demarcação das Terras Indígenas e arruinar de vez o acesso dos indígenas a suas terras tradicionalmente ocupadas ainda não regularizadas.
A situação da Saúde Indígena no Estado de São Paulo, que já não era exemplar durante o período de 10 anos com a Funasa (Fundação Nacional da Saúde), declinou gravemente a partir da transferência desta Ação Orçamentária para o Sesai, e já no primeiro ano da transição as cobranças dos indígenas se transformaram em um jogo de empurra entre os dois órgãos, que terminavam por não resolver os problemas apresentados. Depois da Funasa sair definitivamente do cenário, o Coordenador do Sesai ainda levou mais de dois anos para fazer sua primeira conversa com os indígenas no Estado de São Paulo, criando entre os indígenas a sensação de abandono frente à demanda pelo atendimento diferenciado compreendido pelas peculiaridades geográficas e culturais destes povos. As aldeias indígenas encontram-se em locais que muitas vezes não são atendidos pelo sistema público de transporte, e a insegurança se agrava em relação aos casos de emergência.
As equipes estão muitas vezes despreparadas para compreender e respeitar as práticas tradicionais de saúde em indígenas, gerando em muitos casos desentendimentos e conflitos que podem ser evitados. Outro problema gravíssimo envolve as condições de Saneamento, devido à precariedade no tratamento da água, falta de material para a manutenção da captação e distribuição, péssima política para o tratamento dos dejetos, sem sustentabilidade ambiental e prejudicando consequentemente os indígenas que habitam estes locais.
A falta de Saneamento adequado, responsabilidade também da Sesai, é a fonte de muitos dos problemas de Saúde que poderiam ser evitados com esta ação básica de prevenção. Será que vão continuar deixando morrer crianças indígenas, anciãos e pessoas que necessitam de acompanhamento médico e medicamentos controlados?
Histórico da transição Funasa para Sesai
A Funasa durante mais de dez anos foi usada e abusada por uns tantos esquemas de corrupção como quase todos os setores da saúde do país. O próprio modelo de gestão já dava desde o início toda a abertura para que isto acontecesse, espirrando o dinheiro da saúde indígena nos municípios e no terceiro setor sem o devido controle público.
Os protestos das comunidades indígenas foram constantes, mesmo com as seguidas investidas dos envolvidos nos esquemas políticos no sentido da cooptação de lideranças, no que muitas vezes fracassaram. Tudo isto fez com que este serviço básico afundasse ainda mais e a relação com as comunidades fosse cada vez mais desgastada. Foram mais de dez anos sem que se tenha visto um programa sequer de nível nacional atendendo às reivindicações das comunidades para a valorização da medicina tradicional indígena, que sequer era respeitada, ou para o combate à dependência química, principalmente do álcool, nem houve qualquer programa em nível nacional para a promoção de sistemas de saneamento adequados à realidade indígena e rural. Enfim, elementos básicos para se vislumbrar um atendimento à saúde diferenciado.
A Funasa, com o corpo de funcionários afogado na burocracia e equipes de saúde terceirizadas, muitas vezes se resumiu a repassar verbas nem sempre utilizadas de forma correta e a disponibilizar veículos e motoristas para levar os indígenas para serem atendidos na cidade pelo SUS, no que sempre houve muita inconstância. Só nos últimos cinco anos em que a saúde indígena esteve sob responsabilidade da Funasa foram desviados mais de meio bilhão de reais.
Passou-se o ano de 2010 com a perspectiva de que a ação de saúde indígena iria ser transferida da Funasa para a nova Secretaria de Saúde Indígena a ser criada. Em 2011 a transferência da ação de saúde indígena da Funasa para a Sesai foi mais de uma vez protelada, e muitas vezes não se sabia a quem recorrer: se à Funasa, que alegava estar encerrando suas ações de saúde indígena, ou à Sesai, que alegava estar ainda em processo de estruturação e por este motivo ainda não havia assumido a ação.
O jogo de empurra durante o ano de 2011 entre Funasa (Fundação Nacional da Saúde) e Sesai (Secretaria de Saúde Indígena) só fez com que esta ação definhasse.
Recapitulando com maiores detalhes: durante o ano de 2011, houve inúmeros casos de falta de medicamentos, dificuldade das equipes de saúde em se deslocar para as aldeias, inacessibilidade dos indígenas ao serviço de transporte dos enfermos, principalmente em casos de urgência, omissão no controle da qualidade da água nos sistemas de abastecimento, falta de água causada por omissão na manutenção e reposição de materiais, morosidade ou mesmo inoperância na instalação e manutenção de sistemas de saneamento.
Um caso emblemático foi o da aldeia Tangará, em Itanhaém – SP, onde entre 2010 e 2011 vieram a óbito quatro crianças. Em uma delas foi feita biópsia e foi constatado forte indício de que a anemia profunda que sofria foi causada por contaminação da água e levou à morte da criança. Uma servidora pública que vinha acompanhando com preocupação a situação desta comunidade e pretendia investigar inclusive a qualidade da água foi vetada por pessoas da Funasa de prosseguir com suas visitas à aldeia. Todos estes problemas se repetiram nos anos de 2012 e 2013.
Entretanto, uma dúvida: Foi a crise permanente da Funasa na ação de saúde indígena que motivou a criação da Secretaria de Saúde Indígena – SESAI? Será que devemos ser otimistas em relação às decisões dos mesmos governantes que tantas provas nos deram do amor que têm pelo povo? Hoje, em 2013, a responsabilidade da ação de saúde indígena está toda na Sesai, porém, simplesmente iniciamos o ano novamente sem qualquer ação na área da saúde: as equipes não têm condições de serem transportadas, pois os carros estão parados.
Apesar de haver se passado dois anos da criação da Sesai, será que não houve tempo hábil para a transição? Será a falta de contratos, licitações para combustível, manutenção de veículos? Não existe uma série de argumentos jurídicos e administrativos que tratam da emergência no atendimento à saúde com os quais se dispensam de licitação até mesmo ambulâncias e equipamentos caríssimos, frequentemente utilizados para o desvio de verbas? Por outro lado, vemos argumentos referentes às mudanças na gestão da saúde indígena, no sentido da otimização dos recursos públicos. Pergunto: Será ótimo para quem? Otimizar para reduzir as verbas realmente aplicadas na ponta e continuar a alimentar a máquina burocrática e o desvio? Otimizar o clientelismo político?
Haveremos de ver uma verdadeira reestruturação do atendimento público à saúde indígena, onde os altos recursos que hoje são sugados pela máquina e pela corrupção sejam investidos realmente em saúde? Uma na qual haja o apoio à medicina tradicional, à fitoterapia e às formas indígenas próprias de curar enfermidades de ordem mental, espiritual, que venham a contribuir até mesmo no tratamento de casos como a dependência química dentre outros problemas advindos do contato com a sociedade não-indígena? Para que isto aconteça estamos certos da necessidade primordial da organização das comunidades indígenas neste sentido e dos trabalhadores que com elas atuam ou que a elas se sintam sensibilizados, pois isto não será realizado por nenhum governante. Pretendemos com estas palavras não apenas a denúncia, que por si não tem a capacidade de transformar a realidade, mas conclamar a sociedade, indígena ou não, que conscientes do direito fundamental à saúde, viremos o jogo a nosso favor por meio da organização, da prática e da luta!