Cracolândia um ano depois: A violência contra a população de rua. De São Paulo à Santos.

Foto-1204(Dados recentes do Governo do Estado de SP confirmam que no ano de 2012 durante ação ostensiva da polícia ocorreram 1.363 internações de dependentes químicos, após 152.995 abordagens durante o período.)

Um ano depois da Operação Cracolândia, o que realmente mudou? Após uma das ações mais truculentas e arbitrárias promovida pela Governo do Estado de São Paulo que contabilizou na época um saldo de 165 pessoas presas suspeitas de tráfico de drogas, 47 foragidas e 939 encaminhadas ao sistema público de saúde segundo dados da Secretária Estadual da Justiça e Defesa da Cidadania.

Hoje no centro de SP pouco se vê da tão temida e famigerada cracolândia, porém, isso não significa que o problema tenha sido resolvido, o que houve na verdade, foi um dispersamento das pessoas que ficavam no centro para as regiões periféricas. Ou  seja, o método que o Governo utilizou para resolver não surtiu efeito algum, as pessoas continuam espalhadas pela cidade, constituindo mini- cracolândias, o que prova na prática que a ação ostensiva da operação teve apenas o objetivo de higienização social e não de resolução social.  (critica esta, apontada por intelectuais, pelos movimentos e organizações sociais na época)

O crack

O problema do crack no Brasil, atinge principalmente os moradores de rua, além de ser um problema de saúde pública, também é um problema social gravíssimo, Pois, a maioria das pessoas que vivem nas ruas e que são usuárias de crack, se encontram num processo de desumanização perverso, a maior parte delas perderam o contato com seus familiares, não possuem emprego e nem moradia, o único espaço de sociabilidade que elas têm é a rua, a droga e a garantia de sobrevivência que é esmolar, ou partir para o furto.

Por isso, encontrar a solução para este problema não trata-se simplesmente de colocar essas pessoas à força dentro de um carro de polícia e levá-las ao Sistema Único de Saúde (SUS) e pronto, internação compulsória que tudo será resolvido. (considerando que, o SUS não possui suporte adequado para o atendimento, na verdade, o sistema único de saúde está sucateado, e qualquer tipo de atendimento já carece de profissionais e leitos que possam atender a demanda)

Pois então, ao contrário de um problema apenas de saúde pública, está intrínseco uma discussão de organização social, de ordem econômica e de qual o tipo de sociedade que nós queremos? Não é possível aceitar ou sequer acreditar que atitudes truculentas como foi tomada pelo Governo do Estado de SP levem a alguma solução.

Foto-1309A sociedade do visível/invisível

A população de rua sempre foi vista com uma sociedade visível/invisível, de direitos violados e de deveres cobrados no cassetete, e esse é um dos problemas que os governantes aprenderam a lidar de uma única forma; “higienização social “.

Segundo o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores (CNDDH) de abril de 2011 até março de 2012, 165 moradores de rua foram mortos no Brasil. representa pelo menos uma morte a cada dois dias, a coordenadora do centro, Karina Vieira Alves,  diz que: “as investigações policiais de 113 destes casos não avançaram e ninguém foi identificado e responsabilizado pelos homicídios. O CNDDH também registrou 35 tentativas de homicídios, além de vários casos de lesão corporal.”

Somente em 2011 o disque denúncia, serviço mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, registrou, 453 denúncias relacionadas à violência contra a população de rua. Casos de tortura, negligência, violência sexual, discriminação, entre outros. As unidades da Federação com o maior número de denúncias em termos absolutos foram São Paulo (120), Paraná (55), Minas Gerais e o Distrito Federal, ambos com 33 casos.

Contudo, esses dados não traduzem a real violência que estão submetidos os moradores de rua, pois, muitos dos casos, devido à falta de provas ficam sem apuração e acabam não entrando no rol das estatísticas, por exemplo, em muitos dos casos são estabelecidos conexões com o tráfico de drogas, furtos, brigas, embriagues… O que corrobora para um mascaramento da situação, acentuando ainda mais um processo de criminalização que reforça um esteriótipo de representação social que não contribui em nada, apenas, legitima a ideia de que os moradores de rua são um problema de causa individual, devido a vadiagem, o destino ruim… Além de outras infinidades de justificativas paliativas que não levam em consideração questões de ordem econômica, social e cultural. E quando une-se a ideia de morador de rua + crack aí a discussão entra num viés preconceituoso e moralista.

Foto-1386Na cidade de Santos

Como todos os centros urbanos a cidade de Santos abriga também população de rua – em parte, usuários de crack – numa proporção muito menor, comparada com a do centro de SP, apesar da imprensa local e da Prefeitura compará-la em proporções. O fato, é que Santos enquanto cidade Portuária, historicamente possui boa parte desta área constituída por uma população marginalizada que vive do tráfico, de esmolas, de pequenos furtos, de catar papelão e da prostituição. E como Santos a pouco tempo se tornou a capital do pré-sal, o custo de vida que já era alto aumentou ainda mais, com isso, os marginalizados, principalmente os moradores de rua ficaram sobre vigília e opressão constante da Prefeitura que promove uma descarada higienização social, disfarçada de preocupação social.

Para se ter uma ideia, a maioria dos bairros, desde a orla da praia, passando pelos morros e Zona Noroeste, (área periférica) a especulação imobiliária tem avançado, diversas empresas ocupando áreas que antes eram cortiços, diversos edifícios de alto padrão sendo construídos, enquanto a população periférica é esquecida e cada vez mais sendo empurrada e convidada à se retirar da cidade. Por exemplo, no bairro Vila Mathias onde a maior parte dele é carente de recursos básicos, foi construído a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e está a caminho uma FATEC, ou seja, este bairro tornou-se movimentado por um novo grupo social que ao contrário do anterior, este possui poder aquisitivo, por isso, pode cobrar, ou pagar pela sua segurança, (e ser ouvido) resultado: muitos moradores de rua antes esquecidos pelo poder público, agora são lembrados. Que coisa não?

Contudo, de que forma? Oras, a solução encontrada pela Serviço Social de Santos para resolver este problema, é oferecer abrigo por alguns dias e pressionar para que as pessoas consigam emprego, caso, num espaço de tempo determinado não consigam, recebem uma passagem para que voltem à cidade de origem. Ou seja, deixar a cidade, ou arrumar emprego. Isto é ressocializar? Isto é garantir dignidade as pessoas? Não! Isso é transferência dos problemas, isso é marginalizar, higienizar socialmente.

Continuando…

O que acaba ocorrendo é que a maioria das pessoas voltam para as ruas, e a Prefeitura de Santos preocupada em ser Comitê da Copa do Mundo acaba resolvendo da seguinte forma: utiliza-se de servidores públicos que fazem a limpeza das ruas, que durante o trabalho de limpeza recolhem os pertences de moradores e vão os enxotando, na sequência vem a Guarda Municipal para efetivar prisão se algum morador se revoltar. (como já denunciado aqui no blog, o caso do morador de rua que foi agredido pela Guarda Municipal de Santos, acesse o link.)

Essa é a dura realidade que não podemos ignorar e temos que enfrentar coletivamente.

A grande ironia de tudo isso, é uma das fotos deste post, que contém a bandeira do Brasil, cujo hasteamento foi realizado por moradores de rua de Santos no bairro Vila Mathias na rua Silva Jardim, que é constantemente policiada, e que a população de rua daquele local de tão invisível/visível, nos levam à refletir: para quem é a ordem e para quem é o progresso?