Este ano completam 30 anos de redemocratização do Brasil após um período de vinte anos de ditadura militar, onde muitos daqueles que lutaram pela liberdade desapareceram pelos porões da ditadura, anos de chumbo que marcaram a história do país, não podem ser esquecidos e nem apaziguados com eufemismos como muitos querem fazer, dizendo que foi uma situação de guerra, e, por isso, não há heróis e nem vilões. Não. Em 1.964 os militares brasileiros passaram por cima de um governo eleito de forma democrática, atropelaram a Constituição e submeteram a população ao silêncio do fuzil. Hoje a Campanha do Direito a Memória e a Verdade luta pela abertura dos arquivos da ditadura para que os crimes sejam revelados, que os culpados sejam responsabilizados, que as famílias tenham no mínimo, o direito, a saber, o que aconteceu com seus entes. Porém, o Estado ainda permanece relutante em ceder, e toda a discussão tem enfrentado além dos entraves da justiça, a retórica da conciliação, o próprio, ex-presidente Lula, quando presidente, disse que era preciso superar o passado e deixar o rancor de lado. (quem diria?) De fato, ainda há muita luta a se travar.
1.984 – Direta já!
Uma data histórica em que as ruas do país foram tomadas pela população. Era insustentável a continuidade do estado de ditadura militar, os próprios militares em parte reconheciam que era hora de passar a bola – comícios explodiam pelo país e o slogan; “Diretas Já” aglutinava diversas camadas sociais em torno da ideia de que era chegada a hora de retomar o direito de fazer parte das decisões do país, com isso, o sentimento de apropriação de liberdade e de união crescia, os movimentos sociais se fortaleciam nestas ideias, surgia o PT (Partido dos Trabalhadores) na ilegalidade, mas agregando essa ebulição ideológica de que pela primeira vez os “de baixo” teriam voz.
A ditadura caiu, mesmo com uma eleição colegiada, disputada por Tancredo Neves e Paulo Maluf – Tancredo vence, mas não toma posse, falece de uma complicação cirúrgica -assume o vice, José Sarney PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que por uma fatalidade do destino se torna o primeiro Presidente civil do Brasil, após vinte anos de presidentes militares, seu governo é herdeiro de inflação colossal chegando a 18% ao mês, dívida externa de 105 bilhões entre outros problemas. Para buscar apoio popular o governo adota o lema “tudo pelo social”, restabelece eleições diretas para Presidente, estende direito ao voto para aos analfabetos e para dar base legal, deputados e senadores formaram o Congresso Constituinte, que aprovou em 1.988 uma nova Constituição para o país.
Trinta anos depois…
Em trinta anos de redemocratização parte daqueles que lutaram pela democracia, continuaram lutando por um novo Brasil, cada com seu método; conquistando mandatos, cargos e articulando estratégias na disputa pelo poder – outra parte voltou à vida cotidiana, acomodando-se a ideia de vitória, de liberdade e de democracia. No entanto, os problemas sociais continuaram explodindo – inúmeros conflitos se acirraram, e o estado democrático conquistado, não tem sido capaz de resolvê-los, ao contrário, tornou-se tão violento quanto o ditatorial, provas disto; reforma agrária não realizada, cidades inflando cada vez mais, amplificando o processo de marginalização social, demarcações de terras indígenas e de quilombolas se arrastando em longas discussões, e nada, mais absolutamente nada de mudanças reais para a população pobre, podemos ousar em dizer que ditadura e democracia dentro de um estado capitalista possuem poucas diferenças para a população pobre que sempre esteve à margem das discussões e das decisões políticas deste país.
Nos treze últimos anos com os governos de Lula e Dilma, ambos do PT, houve ações afirmativas de reparação histórica que contribuíram muito para que a população pobre acessasse a universidade e garantisse o mínimo de comida na mesa com os programas: PROUNE (Programa Universidade Para Todos) e o Bolsa Família, assim como outras séries de programas assistenciais direcionados a população pobre, por outro lado, seus governos dão continuidade à política desenvolvimentista que injeta quantias enormes na iniciativa privada e cria ainda mais disparidade entre ricos e pobres no Brasil, são governos contraditórios – não há rompimento com a lógica de organização social capitalista – suas políticas assistenciais ao longo dos anos têm se tornado em moedas de troca para garantir eleição. E por quê? De forma simples e objetiva, porque a política hoje se resume na disputa pelo poder, onde os grupos partidários defendem seus interesses segundo orientações de financiadores de campanhas eleitorais, e não pelos interesses da população, o resultado são as bancadas ruralistas, da construção civil, das mineradoras, entre outras que tomam contam do Congresso Nacional, apresentando e aprovando leis em beneficio do agronegócio, da terceirização, da privatização, da especulação ambiental e imobiliária, do favorecimento em licitações, além de outras infinidades de projetos que garantem ao capital privado explorar e utilizar-se de dinheiro público, controlando e comandando o país literalmente. E este mecanismo de domínio acontece também nas esferas estadual e municipal. Daí os conflitos no campo, na floresta e na cidade que resultam em mortes e muita violência contra a população campesina, ribeirinha, indígena, quilombola e periférica, daí o sucateamento dos serviços públicos de saúde, de educação, de transporte e de cultura, daí a total falta de responsabilidade com o meio ambiente e o envenenamento diário que vivemos por meio dos alimentos que consumimos… Tudo vira mercadoria e a vida não tem valor algum.
Portanto,
Quando MPL (Movimento Passe Livre) em junho de 2.013 impulsionou toda uma mobilização que se espalharia pelo país contra o aumento da tarifa, e muitas pessoas que lutaram na época da ditadura, ou estiveram presentes na campanha das “Diretas Já”, não conseguiram e nem se esforçaram para compreender o que significava a luta contra o aumento de 20 centavos da tarifa do transporte público, é exatamente porque estavam e estão desconectadas anos luz da realidade nacional, que fervilha – uma parte por ser responsável e estar presa à disputa pelo poder, e a outra por ter se alienado voluntariamente por acreditar que liberdade, democracia e justiça social se resolvem com o Sufrágio Universal.
Categorias em que a maioria não se reconhecem enquanto trabalhadores
Na campanha das diretas, muitos artistas e intelectuais estiveram presentes e hoje se gabam de terem feito parte deste momento histórico do país, o triste é não vê-los mais em parte alguma, além dos espaços comuns a que pertencem, destilando criticas conservadoras – assimilando e reproduzindo o discurso da mídia. Uma das criticas mais absurdas que boa parte propaga em suas análises; que o movimento de junho aconteceu do nada e pegou todo mundo de surpresa, por isso, os artistas e os intelectuais não participaram, além de ter faltado uma representatividade para criar unidade e evitar a ação dos vândalos. Pois é, este é um dos motivos do “descolamento” destas gerações de 1.984 e 2.013, enquanto parte da primeira envelheceu e vive de um discurso atrofiado, fora de realidade, pois, até mesmo estes que lutaram foram traídos pelo grupo político que os liderou na época – a geração de 2013 esta na ativa, não surgiu do nada e nem está vagando sem rumo, o MPL há anos realiza um trabalho de base discutindo a questão da mobilidade urbana e do direito a cidade, assim como outros movimentos populares que participaram do levante, e do mesmo modo, discutem diversas pautas além do transporte. Além do mais, temos que pontuar que havia nas ruas artistas e intelectuais sim, contudo, não neste formato do tipo que quer mídia e adulações, e nem se reconhecem enquanto trabalhadores.
Por isso também quando alguém das Diretas Já critica o levante e diz que os vândalos estragaram a festa da democracia, primeiro, é triste pra caramba ouvir isso, pois não entendem nada de vandalismo, mas cabe à pergunta: que festa? Segundo, pensar que o movimento surgiu de um passe de mágica revela ignorância política em relação à realidade do país, e terceiro; não compreender a falta de representatividade do movimento é um atestado de burrice mesmo, e no mais, a luta não parou, todos os movimentos organizados que foram às ruas, continuam na luta, produzindo, discutindo e se preparando para as próximas ações de rua, até porque há muito a se conquistar, e este ano de 2.014, além dos trinta anos de redemocratização, é um ano de eleição e de copa do mundo, por isso, a comemoração deve ser feita com luta, com protesto na rua, com enfrentamento popular – só que isso não vai aparecer na mídia –porque política de opressão do Estado não aparece na mídia, só o recorte criminoso dos “vândalos” quebrando as lojas do Leblon, do “patrimônio público” do Palácio dos Bandeirantes…Dos Bandeirantes? Assassinos de índios? A quem representa isso? Com certeza, não ao povo que acorda às 06h da manhã e tem que enfrentar o transporte lotado, chegar num trabalho precarizado (cada vez mais fudido mesmo), com todas as garantias sociais achincalhadas pelo Estado para favorecer a iniciativa privada e ainda ter que aceitar um sistema político decadente, corrupto e déspota, além de toda uma classe artística e intelectual de faz de conta.
Lutar é preciso! Essa é nossa comemoração de trinta anos.
Com muito respeito à tod@s que estão na luta desde sempre, e aqueles que perderam suas vidas por uma sociedade justa, livre e igualitária.
Poder popular!