A realidade que a juventude trabalhadora tem enfrentado tem sido cada vez mais alarmante. Atirada ao mercado de trabalho desde cedo para contribuir com a renda familiar, muitos jovens tem que deixar de estudar e se dedicar a empregos de péssima qualidade. Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) “Os jovens são os que estão sofrendo mais com a precariedade do trabalho” . Como média regional, 47,7% da população ocupada na América Latina no setor não-agrícola tem um emprego informal, embora trabalhe em empresas constituídas formalmente, segundo dados do final do ano de 2012.
No Brasil esse número chegou a 38,4%. No México, a segunda economia regional, o emprego informal atinge 54,2% da população. Entre os menos avançados, a taxa de emprego informal em Honduras foi de 70,7% e no Paraguai de 65,8%. Os dados da OIT indicam que, desse 47,7% de trabalho informal, dois terços correspondem ao setor informal da economia e, dentro desse setor, 41% são trabalhadores por conta própria. Mas, dentro dos trabalhadores informais, um de cada quatro trabalha em empresas formais.
Com isso:
Serviços terceirizados, call center, part time e estágios têm criado formas veladas de se precarizar e burlar ainda mais os direitos trabalhistas. E como se não pudesse piorar, incapazes de garantir um trabalho realmente digno, Governantes têm instituídos por meio de projetos sociais, empregos que nada diferem, ou simplesmente, reforçam estes citados, resultado: um processo colossal de exploração sistêmica que esmaga ainda mais a juventude trabalhadora que hoje vive a dura realidade de ser a mão de obra barata de um mercado que dita as regras e sucateia vidas e sonhos.
Há muito para se falar sobre essa questão e como entre 21 de abril e 01 de maio é o dia Internacional da Juventude Trabalhadora, na sequência uma entrevista (que elucida muito bem essa discussão) com uma jovem trabalhadora que presta serviço num navio de cruzeiros marítimos qual foi inserida neste emprego por meio de um projeto social da Prefeitura de São Vicente em que foram gastos um milhão e meio anuais para resolver parcialmente o problema de desemprego na cidade, e cabe a pergunta e reflexão após lerem a entrevista: Todo esse dinheiro empregado muda a realidade desta juventude? Tem contribuído para quem realmente? Pois partindo da cidade de São Vicente, o problema continua, então, precisamos nos questionar em para onde estão mandando nossa juventude? Quais condições? E este montante de dinheiro público, não poderia ser melhor utilizado, criando formas em que a região se auto gestionasse?
OBS: Não revelaremos o nome desta jovem, utilizaremos: Juventude trabalhadora, até porque seu relato representa a história de muitos outros jovens trabalhadores.
E viva a juventude trabalhadora!
Entrevista:
Rádio da Juventude: Como foi viajar e conhecer outros lugares? Valeu a pena?
Juventude trabalhadora: Apesar do pouco tempo que temos pra descer e conhecer os lugares, é uma experiência que vale muito a pena, quando a gente para pra pensar que dificilmente poderia estar conhecendo aqueles lugares trabalhando aqui em terra, sabemos que não estamos ali pra fazer turismo, mas sempre dá pra fugir um pouquinho e conhecer alguns pontos turísticos, conhecer os moradores e aproveitar o intercambio cultural.
Rádio da Juventude: O que você fazia? Sua função?
Juventude trabalhadora: Eu era Cleaner. (pessoa que limpa áreas públicas) Limpava áreas por onde circulava os passageiros, como bares, banheiros. Depois de alguns meses também trabalhei dentro de cabines limpando os banheiros.
Rádio da Juventude: Deu pra conhecer muita gente?
Juventude trabalhadora: Nossa! Muita gente. Tanto passageiros como tripulantes, em grande parte nossos maiores sofrimentos, porque sempre nos apegamos às pessoas e depois você vê seus amigos desembarcando e você ficando.
Rádio da Juventude: Como é formada a equipe? É só brasileiro?
Juventude trabalhadora: Não. Na maioria as equipes são mistas, mas existem algumas funções que eles dão prioridade de nacionalidades, por exemplo, os bombeiros na sua maioria são de Samoa, os seguranças são de Israel, a grande maioria da manutenção é da Sérvia, Montenegro e Croácia. Em relação aos brasileiros, nós estamos em várias funções, inclusive como oficiais, mas muito mais por conta da legislação brasileira que exige no mínimo 30% da tripulação seja brasileira.
Rádio da Juventude: O que é Oficial?
Juventude trabalhadora: Oficiais são os chefes de todos os setores e são vários oficiais e hierarquias, existem oficiais que obrigatoriamente tem de serem formados na marinha de seu país, e tem alguns que sobem de cargo, por exemplo, uma pessoa começa como Cleaner, depois se torna camareiro (que limpa cabines) e depois promovido a Assist Chief housekeeping, e assim por diante, a partir do momento que ele se torna Assist de chefe ele já é um oficial.
Rádio da Juventude: E toda essa equipe que presta serviço é de empresas prestadoras de serviço?
Juventude trabalhadora: Não. Todo mundo é contratado diretamente pela MSC. O que acontece é que no Brasil existem agências que fazem esse contato entre o tripulante e a MSC, mas o contrato é assinado com a própria empresa.
Rádio da Juventude: O que é MSC?
Juventude trabalhadora: Mediterranean Ship Company
Rádio da Juventude: Qual a diferença?
Juventude trabalhadora: MSC é a empresa gestora do navio, é a empresa que tem cruzeiros marítimos de luxo e também possui navios de carga, mas são setores bem diferentes, na verdade é como se fossem duas empresas distintas, as agencias são empresas que treinam e fazem o contato dos tripulantes com as empresas de navio, não só a MSC, também tem Royal, Costa, Puma tour e mais outras.
Rádio da Juventude: E onde entra a Prefeitura nisso?
Juventude trabalhadora: Dá o curso apenas?
Rádio da Juventude: Entendi.
Juventude trabalhadora: Então, a prefeitura aceitou o projeto de um empresário, que tem uma dessas agencias recrutadoras, ele é de São Vicente e passou dez anos embarcado, pois, mesmo com tanta vaga de emprego, é difícil achar pessoas capacitadas pra embarcar, então ele fez um projeto para que a Prefeitura contratasse a empresa pra recrutar esses jovens… Todos os profissionais envolvidos no projeto são contratados da empresa e a Prefeitura fornece material didático e uniforme também.
Rádio da Juventude: Alguma ajuda de custo durante o curso, em média quanto tempo de curso? E o que aprendem?
Juventude trabalhadora: Nenhuma ajuda de custo. O curso durava seis meses na minha época, agora não sei, lá tínhamos aulas de camareira, bartender, hospedagem e garçom, também tínhamos acompanhamento com uma psicóloga e aulas de inglês semanais.
Rádio da Juventude: Tem faixa etária para participar?
Juventude trabalhadora: Ah! E até onde eu sei, eles incluíram mais alguns cursos e também aulas de italiano. Na minha época era de 18 a 29 anos, isso também é interessante de falar, no Brasil as agencias sempre pedem pessoas de 18 a 35 anos mais ou menos, mas lá dentro sempre encontramos pessoas mais velhas, na maioria de outros países.
Rádio da Juventude: Irregulares? Ou depende de país para país?
Juventude trabalhadora: Então, não sei, mas não creio que estavam irregulares, acho que deve ser pedido da própria MSC, eles já tem muito preconceito com brasileiros por dizer que somos preguiçosos. Devem achar que pessoas mais velhas não aguentam trabalhar
Radio da Juventude: Quantas horas de trabalho? Como funcionam as folgas?
Juventude trabalhadora: Isso é um pouco mais complicado… Tem várias funções e cada função é uma escala diferente, eu trabalhava 11 horas com intervalo de uma hora pra almoço. No restaurante e no bar as pessoas trabalham por escala rotativa, normalmente com total de 12 horas também… E as camareiras já são diferentes, elas têm quantidades de cabines pra arrumar, e devem fazer isso duas vezes por dia, normalmente temos 25 cabines pra arrumar e gastamos de cinco a dez minutos em cada uma… E folgas não existem, você trabalha todos os dias do seu contrato, salvo quando você está doente, ou seu chefe dê umas horinhas a mais pra você descansar, no meu caso, trabalhava 12 horas e folgava 12.
Rádio da Juventude: Quanto tempo você ficou?
Juventude trabalhadora: Oito meses e 28 dias.
Rádio da Juventude: Sem folga?
Juventude trabalhadora: Eu fiquei doente por dois dias. Foi quando fiquei de folga. E teve uma vez que eles liberaram umas horinhas, foi quando vim visitar minha família em Santos.
Radio da Juventude: Desconta-se do salário?
Juventude trabalhadora: Não.
Radio da Juventude: Você está desembarcada agora? Pretende voltar, como vai ser?
Juventude trabalhadora: Vou sim, o mais rápido possível. (risos) Já estou sem dinheiro, então… Só que toda vez que vamos reembarcar pagamos uma taxa pra agencia, pra contatar a MSC e pedir o retorno.
Radio da Juventude: Pagar pra voltar a trabalhar? E quanto custo isso?
Juventude trabalhadora: Fazer o quê? E o custo depende da agencia, a que eu achei mais barata… R$ 500,00… Agora, quando você embarca pela primeira vez o gasto é bem maior… Só o curso que não pagamos pelo projeto, mas caso eu tivesse feito pela agencia, é em média: R$ 1500,00 a R$ 2000,00… Mais passaporte e curso de sobrevivência no mar. Acaba que tudo sai por volta de R$ 3500,00, e eu acabei gastando R$ 1500,00, mas o que acaba valendo a pela é porque dá pra recuperar isso em um mês e meio de salário.
Rádio da Juventude: É descontado algo de alimentação, dormitório ou banho?
Juventude trabalhadora: Não. A gente só paga por bebidas que compramos no bar ou coisas que compramos no navio.
Rádio da Juventude: Esses meses em que você não está embarcada, você não ganha nada?
Juventude trabalhadora: Não. Meu contrato acabou. Eu só vou receber quando assinar outro contrato. Aí tenho que embarcar.
Rádio da Juventude: Há chances de perder contrato e não conseguir voltar?
Juventude trabalhadora: Muito difícil, eles sempre dão prioridades de embarcar quem já tem alguma experiência a bordo. E quando acaba seu contrato a agencia vai enviar uma nota do seu desempenho, caso seja positivo você pode embarcar novamente, mas eles só não aceitam caso você tenha roubado algo, brigado, usado droga…
Rádio da Juventude: Questão de salubridade, de atendimento médico pra vocês, como é? Tem pronto socorro?
Juventude trabalhadora: Tem pronto socorro sim, mas o atendimento é péssimo! Normalmente nós somos muito destratados pelos médicos e enfermeiros, sempre acham que a gente tá enrolando pra não trabalhar, sem contar que os médicos na sua maioria são croatas e a medicina deles é bem diferente, tem uns tratamentos estranhos, nossa sorte é que sempre colocavam alguma enfermeira brasileira, que acabava ajudando mais a gente…
Rádio da Juventude: Como assim?
Juventude trabalhadora: Então na cozinha sempre tem acidente com queimadura, essas coisas… E a enfermeira sempre dizia que eles não faziam os procedimentos como no Brasil, parece que usam uma medicina mais antiga.
Rádio da Juventude: Sobre os outros jovens de outros países, como era a relação, o porquê deles estarem ali? É o desemprego, a vontade de viajar, o que você percebeu de semelhança com os brasileiros?
Juventude trabalhadora: São bem diferentes dos brasileiros em relação às posturas, os da Indonésia, Madagáscar e Indianos são muito submissos, mas quase todos me diziam que a moeda em seu país é muito desvalorizada em relação ao dólar, então o que ganhavam ali em um contrato já construíam uma casa e grande, podiam viver bem, sabe outra coisa, eles parecem se mais focados em juntar dinheiro, quase não saem e quando saem gastam pouquíssimo, enquanto a gente quer se divertir, não poupa tanto… Acho que os brasileiros apesar do trabalho todo… Tenta ver aquilo como diversão… Desculpa… Esqueci a pergunta inicial.
Rádio da Juventude: Tranquilo. Vamos seguir. O que levou você a ser uma tripulante?
Juventude trabalhadora: No inicio a ideia de conhecer vários lugares, e ganhar uma grana com isso né… Eu tenho muitos amigos que já haviam ido antes de mim e sempre falavam como era, na verdade as pessoas me assustavam muito, mais do que é na realidade. Diziam que eu não ia conseguir tomar banho, nem comer direito de tão ruim que era a comida, e uma coisa eu percebi (pausa) – a gente se adapta – estava me sentindo sozinha aqui, a maioria dos amigos namorando, trabalhando e fazendo faculdade. E eu ainda parada, então, me joguei…
Rádio da Juventude: Acho que esse é um ponto interessante na vida de todo jovem, ainda mais trabalhador, chega um momento que há umas cobranças de onde ir, “interna mesmo” e as opções são poucas. Teve uma menina que se matou né? O estresse deve ser grande, a solidão de estar distante. Rola isso?
Juventude trabalhadora: Sim. (pausa) Olha… Quando voltei, achei que as coisas aqui seriam diferentes, que arrumaria um emprego rápido, que conseguiria pelo menos começar a estudar… E não foi bem assim… Quando cheguei às pessoas estavam vivendo suas vidas… Você tem a impressão que vai ter aquela festa, todo mundo querendo te ver, e não… As pessoas ficam felizes porque você voltou e pronto. Acho que em relação às pessoas que piram ali dentro, acontece mesmo. Eu tive uns surtos quando cheguei à exaustão, vontade de gritar, chorar… Mas depois passa… Quando teu trabalho acaba, tu vai até a proa do navio e olha o por do sol… E tudo te acalma, parece bobo, mas é uma sensação indescritível, então tem coisas que a gente aprende a relevar, aprende que pode gritar com o chefe, aprende a lidar com tudo e as máfias ali dentro… E eu ando me decepcionando tanto aqui em terra, com as pessoas, com os sonhos que eu tinha, com os trabalhos… Como eu falei pra minha mãe, se é pra chorar, ficar cansada, que seja chegando cada dia em uma cidade e terminando o dia com aquele por do sol em alto mar. Olha, vou te dizer: vida a bordo não é pra qualquer um! Não é um lugar pra depositar os jovens, não mesmo, porque se na sua cidade não tem emprego, você tem que ir porque você precisa… Ama viajar, porque apesar do cansaço você quer viver tudo aquilo, senão acontece o que aconteceu com esse povo, surtou ali dentro e acabou tirando a própria vida.
Rádio da Juventude: Este é um dos maiores motivos que incomoda “depósito”, porque vivemos uma realidade quase sem alternativa.
Juventude trabalhadora: Acho que essa é a avaliação que a gente tem que fazer, é que ali não é pra ser deposito, tem que ser opção, se a pessoa quiser viver aquilo é uma coisa, mas tem que ter a opção de não querer. Infelizmente tem gente ali dentro desesperada porque precisa sustentar a família… Precisa viver né? E isso não é deixado tão claramente no curso, e também diante das condições… Qual é a alternativa?
Rádio da Juventude: Sim. Queria apenas perguntar uma coisa para finalizar, há assédio em relação às mulheres lá por parte dos viajantes? E se algo que não perguntei e que você queira falar fique à vontade.
Juventude trabalhadora: Há assédio sim, e muito! Tanto de passageiros como de oficiais, na verdade, há assédio por parte de todo mundo, de homem com mulher e de mulher com homem, mas assim, é só você cortar, os seguranças ajudam muito nesses momentos. Eu tive um chefe que me pediu em namoro, eu disse que não e ele continuou me cercando, insinuando que minha vida podia ser mais fácil ali dentro, mas eu fui séria e disse que não era aquilo que estava interessada. Mas é isso, rola muitas propostas de facilitação da vida em troca de sexo. Aí vai de você, aceita se quiser entendeu?
Rádio da Juventude: E não tem nem como denunciar? Com tanto assédio, há perigo de forçar alguma mulher, estupro mesmo sabe?
Juventude trabalhadora: Complicado. Vive todo mundo junto e a gente até prefere evitar confusão, mas caso passe dos limites e esteja atrapalhando sua vida ali dentro, aí você ameaça denunciar e eles param.
Rádio da Juventude: Obrigado.
Juventude trabalhadora: Beleza. Depois me manda.
A Juventude vale mais que todo ouro do mundo!
Padre Joseph Cardijn – Fundador da JOC (Juventude Operária Católica)