Força policial não é guarda palaciana

Marcelo Rayel
Post de origem: Cinezen Cultural

Semana passada, comentei sobre a calamidade promovida pelo estado de São Paulo a respeito da população mais necessitada, em especial sobre a comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos. O passivo que o governador Geraldo Alckimim está tentando absorver deve valer a pena. Uma aposta a memória curta da população.
Em breve, todos esqueceremos, seremos escalados para otário novamente e está tudo certo. A maioria dos eleitores paulistas reconduzem o atual chefe do executivo ao seu posto outra vez e está tudo beleza.

Sim, porque precisamos de muita amnésia para colocar o atual chefe do executivo ou seu sucessor no posto mais representativo na esfera estadual. Se tudo der certo, a oposição saberá bater onde dói (leia-se Pinheirinho).

Não vou aqui fazer generalização barata e vil contra a população de São José dos Campos, afirmando que todos ali dão apoio e guarida ao atual prefeito Eduardo Cury. Acredito que mais da metade da população de lá não deu suporte ou apoio moral para a loucura que foi o Pinheirinho. Ninguém é maluco de chegar a esse ponto. Quanto aos cabeças coroadas da cidade, até entendo, principalmente o rulling class regional. Quem tem dinheiro, às vezes, é bem chegado a uma assepsia desmesurada. Ser chegado a uma assepsia não chega a ser um grande problema. O problema é não se assumir…

Colocar a força policial, que é um patrimônio público, que pertence ao povo, contra os próprios contribuintes, é algo que ainda não me sai da cabeça. Como podem os chefes dos executivos estaduais chegarem a esse ponto de um quase patrimonialismo com algo que não lhes pertence?

Não só fazem, como repetem a dose. Muito pouco adianta o governador baiano Jacques Wagner engrossar a voz e dedo em riste mandar policiais em greve voltarem ao trabalho. Se há dívida, que seja paga. Se houve algum tipo de promessa ou compromisso, que se cumpra. Caso contrário, fica parecendo que a força policial do estado, que zela pelo bem-estar do contribuinte, não passa de uma espécie de guarda palaciana que, nessa época do ano, garante muito axé ao carnaval local.

Policial não é capitão-do-mato. Caso esteja redondamente enganado, um dos trabalhos do então capitão-do-mato era buscar escravos fugitivos. Uma vez capturados, eram devidamente bem tratados, pois se tornavam um ativo valioso na hora do senhor da casa-grande resgatar o que perdeu. Nem um capitão-do-mato faria no Pinheirinho o que foi feito.

“Notícias de uma Guerra Particular”

Às vezes, a impressão que se tem é que força policial é um capricho quase sádico que os governadores de estado têm. Não estão a serviço do povo, mas a manutenção de uma ordem pública que em certos momentos atinge inclusive o espírito humano do policial, do praça de uma corporação militar. Como se policial não tivesse família, não tivesse consciência.

O confronto na Bahia é uma mostra disso. Até que ponto, em nome da ordem social e civilizatória, um policial merece receber um salário indigno para ordens espúrias a serem cumpridas? Segundo o ex-secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, Hélio Luz, no documentário “Notícias de Uma Guerra Particular”, a polícia foi feita para a segurança da elite econômica do Estado. É quase uma guarda particular. Só que na hora do vamos ver, nada de se cumprir com salários dignos, devidos reajustes e cumprimento no pagamento de bonificações.

Para botar o axé com segurança nesse carnaval, aí a polícia existe, é válida, tudo para a segurança dos milhões de foliões que deixarão milhões de reais nos cofres estaduais. Aí, a polícia existe. Caso contrário, os tais choques de gestão dos governadores de estado, que mais parecem um bloco dos sujos, uma patuscada hedionda, colocam os policiais nos últimos lugares da fila.

Pior ainda é ver militantes de partido político no Facebook botarem o pé no estribo para surfarem em possíveis benefícios nas corridas para as prefeituras. Do tipo, o meu governador é ruim, mas o seu, olha aí… Não fica atrás… Ficam parecendo aquele personagem do livro de Chico Buarque, “A Fazendo Modelo”, de 1974, o Zé das Feridas: que abria a camisa para ficar mostrando os hematomas.

Lamentável. Profundamente lamentável… Mas, se a pergunta proposta pelo mesmo Hélio Luz, no mesmo documentário citado há pouco, que tipo de polícia a sociedade quer for colocada, como seria a resposta dessa mesma sociedade onde parte dela tem como livro de cabeceira “Mein Kampf”?

Está aí um mundo que bem que poderia acabar logo, logo.

*Texto originalmente publicado no site CineZen