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O poeta vira-lata, Sérgio Vaz, fala sobre literatura periférica, renúncia fiscal e o movimento dos trabalhadores da cultura
Aline Scarso,
Da redação
“Literatura, pão e poesia” é o mais novo livro de Sérgio Vaz, lançado no início de agosto no Teatro Cemur, no centro de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo. Poeta e articulador cultural da periferia de São Paulo (SP), Sérgio Vaz é um escritor representante do movimento conhecido como literatura periférica, que trata do cotidiano da periferia das grandes cidades a partir da percepção de quem nela vive.
Auto-denominado poeta vira-lata, Vaz escreve desde os 15 anos, e também épioneiro na criação de saraus de literatura e poesia, como o Sarau da Cooperifa, que ocorre todas as quartas-feiras no Jardim Guarujá, zona sul da capital. A idéia do Sarau, que existe há 10 anos, é estimular os que estão à margem a utilizarem a arte para discutir e denunciar sua realidade.
Entrevistamos o autor para saber sobre sobre o livro. Vaz também falou sobre arte, literatura periférica, renúncia fiscal e o movimento dos trabalhadores da cultura. Confira.
Brasil de Fato – Qual sua intenção com o livro Literatura, pão e poesia?
Sérgio Vaz – É uma [expressão da minha] relação cotidiana com o meu bairro e com as pessoas que eu convivo. [A ideia é] levar um pouco de literatura, falando dessas pessoas, que eu conheço muito bem. É um livro da Global Editora, que faz parte da coleção Literatura Periférica. A ideia sempre foi escrever sobre meu cotidiano. Eu me considero um cronista do meu bairro. Então escrevo sobre o lugar onde vivo. Não acho que eu seja um escritor universal, escrevo sobre o que eu vejo na minha realidade.
Nesse livro você trabalha vários gêneros, é isso? Além da poesia, o livro também traz crônicas e contos?
É, esse livro é uma mistureba. São algumas coisas que eu escrevi em alguns jornais, algumas revistas, têm crônicas, poesias inéditas, contos. Eu quis arriscar um pouco nessa área de crônicas, contos. É um livro mais ousado. Para mim, ele é muito ousado.
É o primeiro livro que você lança com prosa?
É, exatamente. É meu primeiro livro de prosa, de crônica, por isso estou com muita expectativa e temeroso para saber o retorno.
É difícil publicar e circular livros que tratam do marginalizado?
Eu acho que hoje o difícil é você escrever um livro. Com essa nova tecnologia [deimpressão], você pode fazer menos livros numa gráfica. O difícil mesmo é a distribuição, a circulação. E é difícil quem leia também. Esse país não é um país de leitores e não só na periferia, mas na classe média e na classe alta. É um país que não lê. O grande desafio da Cooperifa é fazer a formação de público para a leitura.
A internet contribui para a circulação?
A tecnologia hoje é uma grande ferramenta para nós que somos da periferia. Eu, por exemplo, tenho meu blog, Twitter, Facebook. Então consigo me comunicar sem depender da mídia. Atinjo meu público independente disso.
Você acha que sua literatura serve também para transformar a realidade marginal, ou é um mais um retrato da vida na periferia?
Num futuro próximo, você pensa na transformação dessa periferia ou você acha que ainda falta muito para essa realidade ser mudada?
Falta muito. Não será a literatura que vai salvar a periferia, mas o poder público atuante. A arte tem o poder de transformação pessoal, que pode fazer com que essas pessoas cobrem do poder público aquilo que é devido, aquilo que é pago em imposto, para que esse imposto retorne em benefícios. Não sou tolo de achar que a literatura pode salvar alguém nesse ponto. Eu acho que a literatura, a música, a arte de forma geral, ela transforma as pessoas em cidadãos. E são esses cidadãos que cobram do governo a postura para que ele faça com que a gente tenha esse benefício.
Como você vê essa atual lei de renúncia fiscal para empresas que patrocinam produtos ligados à cultura?
Eu acho que se muda alguma coisa para não se mudar coisa alguma. Na verdade, vão ser sempre os mesmos que vão receber esse dinheiro. Se uma empresa tem renúncia fiscal e aprova um projeto, mas se eu não for conhecido, ela não vai ter o retorno que quer. Então acaba aprovando os projetos dos mesmos, dos grandões. Eu acho que com o projeto aprovado, você poderia chegar em qualquer empresa. Aí sim acho que seria democrático. Agora, você tem um projeto aprovado por uma lei, só que isso não vai fazer com a empresa patrocine, não quer dizer nada. Uma pessoa conhecida como Maria Bethânia ou grandes cineastas, quando chegam [para requererem o patrocínio], conseguem mais fácil.
Você acha que, de alguma forma, essa lei acaba padronizando a produção da arte que é patrocinada?
Eu acho que não. Eu acho que a função do Estado é fomentar a cultura. É preciso ser mais democrático. Está na Constituição o direito à cultura, o direito à arte. Agora, cabe ao artista não ser enquadrado. Por isso meu trabalho é muito voltado para a dureza, para a criatividade. Para não ser enquadrado. O artista não pode ser enquadrado. E se ele for enquadrado, ele não é artista, né? Porque hoje tem artista que só faz [arte] quando tem a lei. Eu não vejo arte nisso. Acho importante o Estado patrocinar a arte, fomentar a cultura. Agora, se o governo não me dá dinheiro, eu não escrevo? O artista é aquele que é inquieto, é a última linha da sociedade. Quando ele se entrega e desiste é porque não resta mais nada.
Qual sua opinião sobre o atual movimento dos trabalhadores da cultura que recentemente ocuparam a Funarte (Fundação Nacional de Arte) e fizeram uma grande manifestação contra a arte como mercadoria?
É isso mesmo. O artista é esse. O artista tem que ser o cara que é incomodado, indignado. Ele tem que protestar. A arte não embala os adormecidos, ela desperta. Agora, se o artista não despertar, como ele vai despertar a pessoa que vê sua arte? Eu acho que as pessoas têm que protestar mesmo, têm que exigir do governo e do Estado a democracia na liberação das verbas.
Você participou da ocupação?
Eu não participei porque agora estou envolvido com o lançamento do meu livro e da mostra Cinema na Laje, mas eu sou um cara que apóio. Porque, veja bem, quando um grande artista não recebe dinheiro, ele vai num programa de televisão [se apresentar]. Ele fala no programa do Jô, ele vai aos grandes jornais. E tem repercussão. Para nós daqui da periferia é mais difícil. Se não é o Brasil de Fato, a Caros Amigos, ninguém fica sabendo [da nossa produção].
Por que você acha que isso acontece?
Acho que tem vários fatores. A periferia não era para protestar, não era para ter arte. Alguma coisa deu errado, né? Hoje tem mais de 50 saraus acontecendo. Nós temos três anos de Cinema na Laje. Nós passamos documentários como The Corporation (Mark Achbar e Jennifer Abbott/2004), passamos documentários como Zeitgeist (Peter Joseph/2007), passamos A Negação do Brasil (Joel Zito Araújo/2000), passamos documentários que jamais a nossa população iria ter acesso. E nesses mais de 50 saraus na periferia é onde as pessoas se apropriaram da literatura. Ou seja, para o status quo alguma coisa deu errado.
Era pra gente não ter boa literatura, era pra gente não ter boa educação, era pra gente não ter bom cinema. E a gente faz cinema e não passa O Homem Aranha, não passa nada de Hollywood. Alguma coisa deu errado dentro da concepção do Estado, da elite, né?
Por que essa auto-denominação de “poeta vira-lata”?
(Risos) Porque justamente eu passei o pior, né? Eu vejo sempre essas nomenclaturas, esses nomes pomposos da academia… e a idéia era desconstruir [isso] mesmo. O vira-lata é o cara que cata o lixo, que vira a lata né? (Risos).
Onde pode ser comprado o seu livro?
Bom, meu livro vai estar nas livrarias e na minha mochila. Podem encontrar também no Sarau da Cooperifa. O Sarau acontece toda a quarta-feira, ininterruptamente, a partir das 20h45, no bar do Zé Batidão (rua Bartolomeu dos Santos, 797, Jardim Guarujá, zona sul de São Paulo).