Não é nenhuma novidade a exploração midiática sobre assuntos extraordinários. Na verdade a lógica da mídia gorda é trabalhar isso, um fato ocorre e lá está ela com seu compromisso de registrar e trazer para os telespectadores toda e qualquer informação em primeira mão. Mas até que ponto essa cobertura não se torna pura especulação em troca de audiência? Impulsionando um frenesi que lucra com o sangue, e quanto mais ele jorrar mais ensandecida ficará a platéia.
O que aconteceu em Realengo mais uma vez tornou-se a bola da vez, quem acompanha os noticiários pôde durante a semana inteira acompanhar de manhã, de tarde e de noite imagens do colégio com crianças feridas pedindo ajuda, detalhe, não havia nenhuma novidade nessas imagens, eram sempre as mesmas. Qual o propósito dessa repetição imagética? Sensibilizar? Ou mera exploração? E qual a necessidade de apresentá-las?
Quando os críticos levantam a discussão de que vivemos na Sociedade do Espetáculo, e que o pão e o circo ainda são tão comuns hoje, quanto um dia foi em Roma, muitos torcem o nariz e dizem que este discurso caiu por terra. Será?
A questão é que a platéia se torna tão atuante e humanamente sensibilizada que fazer qualquer espécie de crítica é inevitavelmente cair no risco de ser um ser insensível. Mas infelizmente é o risco que deve correr quem ainda acredita numa comunicação ética e responsável. E ainda assim, o cuidado para não cair na mesma lógica é muito tênue.
Na Web no dia que ocorreu o incidente em Realengo, centenas de milhares de pessoas começaram a discutir as causas postando textos aleatórios em seus blogs e sites, apontando soluções para a violência, solidarizando-se com as famílias. No dia seguinte, com o caso mais esclarecido, mais textos, mais soluções, mais alternativas. Olhando por um prisma positivo, a Web é quase uma ágora para se discutir a vida pública, e por outro lado uma extensão do caos.
E assim foi durante o resto da semana, como uma febre mais uma vez o país se emocionava. E como não se comover? Crianças mortas a tiro dentro de um colégio, um espaço Institucional fundamental de formação para a vida de todo ser humano.
No entanto, agora que as coisas começam a voltar à rotina e o extraordinário deixa a vida banal, cabe a ponderação, será que em casos como este, a morte tem nome? “Capital”. Afinal, quantas outras crianças morrem de fome, de frio, de abandono e não somente crianças, adultos e idosos também, e quantos outros problemas há para resolver neste país, e o triste é que eles se tornaram tão comuns que aprendemos a conviver com eles de forma natural, que enquanto nenhuma gota de sangue não escorrer de forma extraordinária, a mídia não fará a cobertura e a sociedade apática irá continuar vivendo sua rotina diária apenas preocupada com seu samba, futebol e carnaval.
Talvez tudo isso esteja relacionado a algum fetiche escatológico bizarro, pois um dos vídeos mais assistidos no youtube durante estes últimos dias foi de uma criança de Realengo pedindo ajuda e o fulano que gravava teve a coragem de perguntar a criança, o que havia acontecido com ela e pede para que ela levante a blusa e mostre o ferimento causado pelo tiro. Que dizer sobre isso?
Vivemos uma realidade que tanto a mídia quanto a sociedade, ambas querem ver sangue! E cruelmente, a verdade é que não há uma lágrima ou um sentimento que floresça em luta, em buscas por mudanças concretas, somente novas formas de alimentar o capital do sangue. Como disse Guy Debord “No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso. A realidade surge no espetáculo, e o espetáculo no real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente.”
Até quando?
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