No ano passado uma decisão judicial do Ministério Público (MP) proibiu qualquer tipo de manifestação na vias principais do Município de São Vicente, seja ela de cunho religioso, cultural, esportivo, cívico ou de livre-iniciativa. Essa decisão é do juiz da Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Vicente, Eurípedes Gomes Faim Filho, que atendeu ao pedido da Promotoria.
Muitas criticas surgiram, principalmente por aqueles setores que foram prejudicados com a lei. Na época uma pequena mobilização percorreu as ruas de São Vicente em busca de assinaturas para um abaixo assinado em prol da liberdade de expressão, houve petição na internet e até tuitaço, o que não surtiu efeito algum. E como se tudo não pudesse piorar, na sequência houve o bloqueio de apresentações artísticas no Parque Cultural Vila de São Vicente, deixando muita gente que frequentava o parque, indignada, pois, a cidade no quesito “cultura” é um problema, e com mais esse impedimento a impressão que causou foi que tudo aquilo que era de graça, popular e que possibilitava artistas locais a apresentarem sua arte, estava sendo desmantelado de vez. Algumas discussões ocorreram, vídeos circularam para promover o debate, mas a liberdade de expressão entrou num caminho obscuro…
Na verdade, houve pouco diálogo com a população sobre o que estava ocorrendo, o próprio slogan da campanha “Pelo Direito de Livre Manifestações – Diga Não a Intolerância – Por uma cultura de paz” ( com direito a foto do ator inglês Hugh Laurie que fez o protagonista da série Dr. House) que percorreu as ruas não deixava claro o que representava essa lei e quais seus efeitos práticos, e como em ano de eleição tudo vira moeda de troca para angariar votos, é bem provável que as pessoas que tiveram acesso à informação não entenderam o que representava de fato para embarcar na cruzada.
Hoje, após quase um ano da lei ter entrado em vigor, a discussão tornou-se ácida, pois a Prefeitura em pronunciamento nesta última segunda-feira (4) disse por meio de seu Secretário de Cultura Amauri Alves que irá acatar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Com isso, muita gente ficou indignada e pelas redes sociais expressaram repúdio e colocaram que, há de acontecer um enfrentamento direto, que os blocos carnavalescos devem burlar a lei e irem para as ruas, há também um manifesto percorrendo as redes dizendo que as pessoas devem comparecer na concentração do maior bloco carnavalesco da cidade, o das Ba-baianas, existente há 76 anos, um bloco tradicional que agrega uma quantidade massiva de foliões que sai do Parque Bitarú, cruza todo o centro da cidade e termina na praia.
Podemos afirmar sem sombras de dúvidas que este bloco é uma iniciativa popular de carnaval de rua tão forte que é impossível de conter por meio de uma lei, inclusive a presidente do bloco, Regina Dias preocupada com a questão, disse que irá comunicar os foliões, mas, de acordo com as manifestações que estão ocorrendo pela rede, o bloco vai para a rua em ato de protesto. Afinal, o formato do bloco é de iniciativa livre, ou seja, as pessoas vão aderindo à ele durante o percurso de forma natural, e assim ele vai se construindo, resultado: como se pode evitar isso? ( preocupante, pois, a Prefeitura anunciou que vai intensificar a fiscalização e o efetivo policial para coibir)
Pois é, a ignorância dos governantes ( no sentido de ignorar) é tão grande, e deixa claro o quanto São Vicente tem uma visão provinciana, sem a menor sensibilidade de entender que bloquear o carnaval de rua, é atingir o cerne de uma das maiores expressões culturais brasileiras ( e popular, o mais interessante) e também podemos tirar como conclusão que, quem faz as leis não está conectado com a realidade, e a lei é sempre um produto vindo de cima para baixo que não atende aos interesses da população.
Em cidades do nordeste brasileiro, por exemplo, nas de Pernambuco onde os blocos de rua tem um significado e uma força popular muito grande, diferente dos espetáculos apoteóticos, é impossível pensar na proibição de tal evento. Segundo os números oficiais do Carnaval Multicultural de Pernambuco realizado em 2012, foram: 300 atrações nos palcos, 325 shows, 800 apresentações de agremiações em polos descentralizados, 8 polos no centro, 9 polos decentralizados e 42 polos comunitários. O Bairro do Recife teve um público de 600 mil pessoas por dia. E na economia injetou R$ 773,6 milhões.
Ok, podemos dizer que em Pernambuco há uma industria do carnaval, enquanto em São Vicente estamos longe disso. Correto? Até porque neste ponto abre-se outra discussão, afinal, nós da Rádio da Juventude queremos um carnaval gestionado pelo povo. Entretanto, a analogia é apenas para visualizarmos o quanto existe de um pensamento raso na forma como está sendo discutido essa questão, e como toda esta miopia favorece os grupos de interesse que se aproveitam deste momento para se articularem usando o povo como massa de manobra, atacando uns aos outros, mas, são todos farinha do meu saco querendo palanque.
O momento político de São Vicente
A cidade de São Vicente está num momento delicado de transição política, os serviços públicos estão completamente sucateados, nem o governo de ontem resolveu e nem o de hoje com certeza irá, mas, a disputa politica partidária está usando de todas as maneiras possíveis para amarrar a população e legitimar suas bandeiras. Isso resultará em quê? Fica à reflexão. Pois, colocar o bloco na rua e enfrentar a polícia e um governo reacionário é legitimo, mas devemos levar todas as nossas bandeiras: da educação, da saúde, do emprego, da cultura, da informação e de tudo que nos é arrancado dia a dia. Sem contar também que há de se colocar essa discussão em pauta com toda a comunidade, se existem pessoas que estão sendo prejudicadas com as manifestações nas vias públicas, elas também têm o direito de serem ouvidas. Este é o ponto, abrirmos ao debate e discutirmos levando em consideração todas as partes, e coletivamente decidirmos o que é melhor para toda a comunidade vicentina. ( sem lei que oprima)
O carnaval é uma das manifestações culturais mais legitimas que existe, vinda de um povo que a 500 anos aprendeu a resistir e com muita criatividade criou formas de expressões riquíssimas, contudo, a lógica da sociedade em que vivemos é transformar tudo em mercadoria, e os grupos de interesse, velhas raposas treinadas no jogo da manipulação, são habilidosos em usar o povo como massa de manobra. É tempo de subverter isso, se queremos blocos nas ruas, precisamos de autonomia para realmente sermos protagonistas de nossas formas de produção, e deste modo, ninguém usar dos nossos sonhos e das nossas lutas para nos explorar e nos vender como objetos.
É isso, São Vicente precisa de um carnaval libertário! Livre para todas as expressões e formas livre de se viver. Sem preconceito de credo, cor ou grupo social!
Um carnaval do povo feito pelo povo!