Tem bombado nas redes sociais a discussão em torno do funk ostentação, a mídia televisiva inclusive tem se rendido a este fenômeno, produzindo matérias sensacionalistas associando ao crime, ou num recorte aparentemente mais limpo, mostrando uma juventude de periferia seduzida e absorvida pela cultura de consumo, que adota um modo de viver baseado no ter e não no ser, de forma que toda uma geração pode caminhar para uma reprodução de relações sociais “vazias”.
Enfim, é uma boa discussão, mas, interessante que essa exposição do funk ostentação incomoda de uma maneira que parece que ela, “a ostentação” nunca existiu, mas quantos artistas no Brasil e mundo a fora “ostentam”? Compram castelos, colecionam carros importados, roupas caríssimas, constroem zoológicos no quintal e coisa e tal – e há problematização de tudo isso? Os excessos nestes casos quase sempre embelezam ainda mais o artista – dão até um toque humano e apaixonante.
Por isso, a insistência e a necessidade em problematizar o funk ostentação, todo esse incômodo, está muito mais ligado às questões: econômica e etnocêntrica, do que por uma real preocupação com a juventude periférica absorvida pela sociedade de consumo. E há quem coloque a questão colocando em primeiro plano; o que é, ou não é arte? Ok, tudo isso está intrínseco, e deve ser discutido, mas a verdade, ficar rodeando em torno desses pontos e começar a discutir questões morais usando como objeto apenas o funk ostentação – é cortina de fumaça para criar ruído na discussão, que neste caso em específico só revela uma única coisa; “a senzala sempre teve que ficar do lado de fora” – presenciar um jovem de periferia adentrar a casa grande (camarote) não dá! É este sentimento internalizado que provoca o incômodo, e este, é o ponto delicado, calcanhar de Aquiles que trás a tona, se discutido, toda uma sociedade enterrada em preconceito, em ódio mesmo, e pela defesa de privilégios. Por isso, este enorme incômodo maquiado.
Simples, vamos dividir os eixos: sociedade de consumo, juventude periférica e recorte de classe, este último ligado a uma cultura racista, preconceituosa, excludente e elitista, quem se propõe a discutir? Os privilegiados não! E quando sim, os parcos argumentos giram em torno apenas de defender seus interesses e suas propriedades, tanto materiais, quanto intelectual, neste ponto, o funk ostentação serve para colocar isso na mesa e revelar a divisão de classes, onde cada um tem que ficar no seu lugar.
Gostem ou não, façamos uma discussão moral, ou não, o funk é subversivo em muitos sentidos, pois, mesmo com insuficiência de recursos, a periferia criou, não podendo acessar, ela se apropriou – onde tudo isso vai parar e se o conteúdo é problemático, aí é outra questão que pode ser discutida se os preconceitos e interesses forem deixados de lado.
Cultura se movimenta no tempo e no espaço, sendo algo inerente ao ser humano, mesmo que alguns queiram enclausurá-la em academias, dentro de regras que só criam a exclusão. E foi dentro desta exclusão que os meninos e as meninas da periferia foram criativos, de modo, que reagiram aos desafios que o meio os proporcionavam.
OBS: Funk ostentação é um resultado do próprio sistema capitalista, que diz o tempo todo (através da TV, das propagandas e tantos outros meios) que o bom é o cara que tem, que usa marca tal, que ‘as meninas gostam é de quem usa Nike’… Tem aspectos mais profundos e subjetivos: o olhar de reprovação de alguns diante de um “fudido” com roupas e calçados modestos; o dilema ser ‘honesto’ e viver com dificuldades financeiras ou entrar no ‘movimento’ para garantir um estilo de vida que o capitalismo diz que ele deve ter; enfim, a expectativa de uma vida melhor. Para alguns, a vida fudida ensinou que isso significa “ter” e não “ser”. Desenvolveremos num próximo texto este ponto. Bora ir refletindo.