Falar no PEXJ requer muito fôlego, isso porque são tantos os problemas que apenas listá-los demanda possuir olhar holístico sobre as inúmeras pressões que ele sofre esmagado por intensa ocupação urbana, pressão empresarial em muitas esferas, falta de interesse político e boa dose de pilantragem e mau-caratismo, explicamos:
O PEXJ possui 901 hectares, sendo 554 localizados no município de Praia Grande, e 347 no município de São Vicente. Possui 457 espécies vegetais, dentre as quais 13 estão ameaçadas de extinção. Quanto à fauna foram identificadas 319 espécies entre os quais, 21 mamíferos marinhos, 13 mamíferos terrestres, 87 aves, anfíbios, 37 répteis terrestres e 5 marinhos, além de 137 de peixes. Seu bioma é de Mata Atlântica, valendo ressaltar que é um dos últimos remanescentes desse tipo de bioma no país que possui apenas 8% desse tipo de bioma em relação ao que possuía há 500 anos.
Esses dados numéricos introdutórios servem para ilustrar a importância de preservação do Parque Estadual dada sua grandiosa relevância. Em outras palavras, o PEXJ não é mera mata, dentre os animais encontrados no parque estão o Bicho-Preguiça, o Tucano de Bico Preto, a Tartaruga Verde, o Trinta-Réis-Real e o Boto Cinza, ameaçados de extinção em maior ou menor grau*
Mesmo estando em local de grande importância Natural e Histórica (nas proximidades do local há construções como o Cortume de 1897 e o Porto das Naus do século XVI, nesse último descobriu-se há pouco dois tonéis de cana-de-açúcar que data de 1580), as marinas da região são responsáveis pela existência de um projeto que só poderia ser concebido pela lógica do lucro e não da preservação! Estamos falando sobre o Alteamento da Ponte Pênsil em São Vicente inaugurada em 1914, projeto que visa altear a Ponte que é cartão postal da cidade de São Vicente, tombada pelo Patrimônio Histórico e lugar cativo no imaginário do habitante local. As marinas reclamam que seus magnatas não podem passar com suas altas e luxuosas lanchas por baixo da Ponte e portanto precisam que a prefeitura a alteie em 10 metros. Isto significaria construir 2 viadutos, um em torno do PEXJ e outro em torno do Morro dos Barbosas. E, até o momento em que escrevemos este texto, não tivemos notícia da existência de qualquer laudo de impacto ambiental.
Também é importante dizer que laudos de impactos ambientais não são problema, temos aqui em São Vicente uma Universidade que todos sabem que provê de laudos e relatórios o que a prefeitura e as empresas precisam para legitimar seus atos…
Em 2009 participamos de uma oficina de planejamento do PEXJ. Foram 3 dias de uma espécie de Audiência Pública que aconteceu na Ilha Porchat e que teve como principal objetivo (extra-oficial, é claro) medir o grau de resistência com relação a mudanças no gerenciamento do Parque. Oficialmente aquele encontro com a população do entorno, ONGs, empresas, associações, além de setores do Poder Público visava obter subsídios que ajudassem a construir “junto com a população” (que piada!) um Plano de Manejo.
Segundo o site do Ministério de Meio Ambiente, toda UC (Unidade de Conservação) deve
elaborar um Plano de Manejo que é “é um documento consistente, elaborado a partir de diversos estudos, incluindo diagnósticos do meio físico, biológico e social. Ele estabelece as normas, restrições para o uso, ações a serem desenvolvidas e manejo dos recursos naturais da UC, seu entorno e, quando for o caso, os corredores ecológicos a ela associados, podendo também incluir a implantação de estruturas físicas dentro da UC, visando minimizar os impactos negativos sobre a UC, garantir a manutenção dos processos ecológicos e prevenir a simplificação dos sistemas naturais.” Em outras palavras, um Plano de Manejo é a oficialização documental da orientação política a que se submeterá o manejo de uma UC. O problema geralmente é justamente que orientação política o pode Público quer adotar…
Na verdade o Plano já estava traçado, e como por lei é necessário realizar estas etapas (oficinas com a população, Conselhos Consultivos), a presença dos agentes externos que foram convidados visava apenas apoiar o plano já traçado e não traçá-lo em conjunto, em parceria com a população.
A primeiríssima observação que fizemos ao participar da oficina foi a de que não havia nenhum indígena no local. Incrível constatar que uma oficina de planejamento de um local ocupado por indígenas desde 2004 simplesmente rejeita a participação de moradores indígenas de dentro do Parque. Para o segundo dia de oficina ligamos para o cacique da aldeia e o convidamos a participar. No anfiteatro da Unesp foi votado o Conselho Consultivo, ou a relação de pessoas representando, em tese, os mais diversos interesses, que participariam da elaboração do Plano de Manejo. Foram combinadas 25 cadeiras para o Conselho e entre empresas de pesca, de turismo e até da PM (!), não foi dada nenhuma cadeira ao cacique mesmo quando pedimos para que fosse à votação a disponibilização de uma cadeira à liderança indígena. A mesa que dirigia os trabalhos simplesmente nos ignorou e não colocou à plenária a votação (e ganharia por puro bom senso).
O Poder Público não quer os índios no PEXJ. Há uma cancela controlada pela Guarda Municipal da Prefeitura no final da Av. Saturnino de Brito que impede as pessoas de entrarem no Parque a despeito do que consta no Plano de Manejo que ficou pronto em abril de 2010, e que alega ter predisposição de promover a abertura do Parque para visitação.
É sabido que os Guarani da aldeia Paranapuã sofrem com este isolamento que muitas vezes inibe a entrada de antropólogos ou outras pessoas interessadas em manter contato com essa população.
Enfim, com o pretexto de proteger o Parque, a cancela visa segregar os índios mantendo-os marginalizados e muitos deles encontram-se em situação de mendicância enquanto os espaços da prefeitura, que poderiam abrigar a venda de seus artesanatos, servem para promover inverdades históricas como a Vila de São Vicente – parque temático localizado na Biquinha que tenta retratar a Vila de São Vicente como era em 1500 exaltando colonizadores portugueses que tanto sofrimento causaram a índios, ribeirinhos, quilombolas e negros no Brasil. Este espaço toca fado no ambiente (música folclórica portuguesa), conta com lojas que vendem artesanatos não-indígenas para turistas em vez de ser um espaço de valorização da nossa cultura indígena. Lamentável!
Mas nem só de indígenas indesejados é feito o PEXJ! A especulação imobiliária fica à espreita das brechas legais, tentando encontrar meios de construir mais prédios para servir de imóveis de veraneio e não como moradias populares, numa já desestruturada e intransitável Baixada Santista. E isto fica evidente para quem conhece o local: o “pequeno notável”, como apelida o Plano de Manejo publicado em 2010 e que será a carta norteadora do PEXJ até 2015. Ou seja, uma linda floresta com vista para o mar! Esse poderia ser o slogan das imobiliárias.
Conversando com moradores do entorno descobrimos histórias horríveis como a de uma senhora moradora do Japuí há muitos anos, defensora do Parque, que denunciou ao Ministério Público um Sargento que teria construído uma casa em área caracterizada como pertencente ao PEXJ, sem pagar nada pelo terreno e desmatando parte da floresta. Segundo ela, o Sargento possui “costas quentes” e moveu processo contra ela por calúnia cujo valor se ganhar a fará pagar a ele R$15.000,00 numa clara intenção de tirar do bairro a moradora que, para pagar o montante, teria que vender sua própria casa.
Outro morador do Japuí, que já foi de uma ONG local contou-nos que as ONGs estão vendidas, que já não denunciam invasões, pescas e caças predatórias, ação de embarcações a menos de 200 m da costa e outras irregularidades por terem sido compradas pelos interesseiros de plantão.
Um dos pescadores nos relatou que às vezes é comum tartarugas marinhas se enroscarem nos anzóis e redes e que presenciou uma ocasião em que um dos pescadores fisgou um desses animais e, não sabendo lidar com a situação, entregou o animal ainda vivo aos guardas florestais do Parque e que estes, em vez de libertarem o animal, o levaram para dentro a fim de comê-lo.
Aliás, as tartarugas são um capítulo à parte – pertencentes à Lista de Répteis Ameaçados do Estado de São Paulo na categoria “vulnerável” (VU), no Ibama como “em perigo” (EN) e na lista vermelha mundial de espécies ameaçadas da IUCN (International Union for Conservation of Nature), elas estão presentes na área marinha do PEXJ, principalmente próximo aos costões rochosos e sofrem na região não apenas com a ação dos pescadores, mas com danos causados por jet-skis e outras embarcações a motor e pela ingestão de materiais plásticos.
E o que falar dos terrenos particulares no local? Estão com os dias contados! São pessoas que estão no local desde a década de 70, são sitiantes, vivem da criação de pequenos animais e de pequenas plantações, gente humilde que mal sabe ler. O problema é que como possuem terrenos particulares têm a obrigação de pagarem impostos e, num lugar tão valorizado e com terrenos tão grandes o valor é alto e eles não podem pagar. Enfim, um dia os imóveis podem ir a leilão e aí os abutres especuladores colocarão os bicos nesses imóveis! Aliás, o desejo de retirar ocupações humanas do PEXJ não é segredo e está inclusive oficializado no Plano de Manejo (p.71)
Só que o Poder Público poderia intervir e transformar estas terras particulares nas chamadas RPPNs ou Reservas Particulares do Patrimônio Natural. São imóveis que, apesar de particulares, serviriam à população como ponto de apoio de preservação do Parque, podendo se construir nesses lugares postos de informações turísticas ou outros tipos de apoio físico visando ajudar na preservação.
Interessante também (pra não dizer contraditório) que, apesar de se posicionar contra ocupações humanas dentro do Parque, o Plano de Manejo tem como meta promover o ecoturismo no uso das trilhas. Quer dizer, eles listam como danosa a presença humana que afugenta animais mais sensíveis mas querem trazer visitantes pro Parque promovendo o ecoturismo. O que será pior: alguns moradores que certamente defenderão e protegerão sua casa, e portanto o Parque, ou turistas que apenas passam pelo local sem saberem o que abriga o local e muitas vezes deixando lixo na praia e trilhas?
Mas, em tempos de Belo Monte, o Poder Público já deixou claro que Preservação não é a palavra de ordem, esta é DINHEIRO.
* Os dados foram retirados do Plano de Manejo 2010 disponível em: Plano de Manejo
Texto de Mafalda Caiçara
Primeiramente quero parabenizá-los pela iniciativa de analisar um universo muito complexo: Áreas protegidas e uso.
Bom, discordo em vários aspectos do texto, começando pela homogenização do poder público. Há uma gritante diferença de postura do poder público em nível federal (com fortes traços para inclusão social em UC) e do Estadual em SP (que adota uma interpretação excludente justificando o SNUC). Isso é evidente na ocupação indígena em Paranapuã, onde o MPF disputa judicialmente a legalização da ocupação contra o MPE (SP).
O segundo ponto é referente à pesca artesanal. A porção marinha protegida pelo PEXJ desconsiderou que a área é um sítio tradicional para a pesca artesanal e proibiu qualquer uso direto dos recursos naturais. Cabe destacar também uma postura autoritária na gestão no início da década de 2000, com os pescadores e comunidades do entorno. Sem dúvida a interação tartaruga com a modalidade de pesca de rede de espera é um problema, mas negligenciar o conflito e presumir que denúncias inibiram a pesca é um erro comumente adotado pela FF.
Por último, a relação binária uso público x ocupação é totalmente equivocada. Se a mancha verde ainda está presente se deve aos moradores que pleitearam no final da década de 80 a preservação dos morros contra a especulação imobiliária. Tanto que o parque está inserido numa extensa malha urbana. Se não fosse pela proibição da ocupação, muito provavelmente no lugar do parque teríamos um cassino, ou resort, ou até porto como queriam recentemente.